quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Um poema que li esta semana que passou. Li em sala de aula, em meio à agitação adolescente. Meus olhos se encheram de lágrimas, as quais tive que conter, estou acostumado. Nunca um aluno percebeu uma dessa marca da emoção profunda. Ou sim, percebeu. Achei mesmo muito bonito o poema, parece comigo.

Mnemosine
(Leda Maria Martins)

Eu não vi quando amanheceu
e não ouvi o canto das lavadeiras
madrugada afora seguindo o rio.
- Eu não estava lá

Eu não vi quando vergaram as árvores
e fecharam os dias
Nem quando recortaram as serras
de antenas elétricas eu vi.
Disseram-me
- Mas eu não estava lá.

A memória da minha ausência
lembra os anciãos nas veredas das noites
luarando cantigas serenas
fazendo sonhar as meninas quase moças.
Eu não ouvi os últimos suspiros
da infanta já feita senhora.
Passam autos velozes pelos calendários
mas nem mesmo quando chegou o primeiro comboio
e que todos se pintaram de novo eu vi.
- Sequer me apresentei.

Eu não estive lá quando queimaram os mortos
e dançaram nas bordas do fogo.
Nem quando se abraçaram ébrios das vitórias
e nas miragens por vir
lavraram novos totens
e os celebraram.

Os barcos soçobraram em labirintos tarde
e eu não estive no vento de nenhuma vela
no marulho de nenhuma vaga.

Eu e a ausência de mim.
Não ter estado nunca em parte alguma.
Não ter feito sequer um gesto de ficar
ou partir.
Não estar simplesmente.
Assim como alguém que ouve bater à porta
uma, duas, infinitas vezes
mas não se mexe, não se levanta,
não faz barulho.

2 comentários:

  1. muito belo meu amogo, também fez ressonância em mim...há algo assim na vida de cada um de nós...

    abraço

    rosa leonor

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