domingo, 24 de agosto de 2008

Um livro - Os Miseráveis, Vitor Hugo













Terminei "Os Miseráveis", de Vitor Hugo, nesta madrugada de sábado. Se se pudesse escolher uma palavra e uma imagem que resumisse a obra eu diria que a palavra é MISÉRIA e a imagem é a ilustração de Emily Bayard que se encontra no topo da postagem. Nesta, nos impressiona por demais a garotinha empunhando a vassoura muito maior que ela. As roupas em farrapos, o corpinho pequeno e magro, o olhar ao mesmo tempo assustado, ingênuo, sincero e puro, de quem não compreende que está sendo abusada. Os ombros de fora e o detalhe da alça do vestidinho caindo, ainda revelam a sua condição feminina indefesa, sua sensualidade natural infantil e a imensa ameaça em que ela se encontra. Quem leu o livro sabe das condições em que se desenrolava a cena: ao nascer do dia, o sol ainda nem havia surgido, um frio de 8 ou 10 graus, a garota descalça, a roupa cheia de buracos, nada por baixo; a obrigação de fazer mais do que pode; uma garotinha de 5 ou 6 anos, a solidão e o espanto. A nós pode parecer normal, vimo-las aos montes em nossas favelas. Mas há uma diferença que passa quase despercebida: o frio. A nossa miséria é morna.

Como sempre, não tenho a pretensão aqui de fazer uma análise elaborada do livro. Nem o poderia fazer. Apenas ajudar a divulgá-lo, para que cada vez mais gente possa conhecê-lo e apreciá-lo, mesmo sabendo o custo de se ler um livro deste. Como disse o próprio VH:

"Diminuir o número dos tenebrosos, aumentar o dos luminosos, eis o fi m. Eis porque gritamos: ensino! ciência! Ensinar a ler é acender lume; toda a sílaba soletrada lança faíscas.
No entanto, quem diz luz não diz necessariamente alegria. Sofre-se na luz; o excesso queima. A chama é inimiga da asa. Arder sem cessar, devorar, eis onde está o prodígio do gênio.
Mesmo tendo todos os conhecimentos, mesmo amando, sofrereis sempre. O dia nasce lacrimoso. Os luminosos choram, ainda que não seja senão a sorte dos tenebrosos."














Há o relato histórico dos anos que vão da restauração (1815 - volta da monarquia ao poder após a queda de Napoleão) até aos anos imediatamente posteriores à revolução de 1830, quando da insurreição republicana de junho de 1832 onde transcorre boa parte das ações do terceiro tomo do livro. Esta revolta é o pano de fundo para acontecimentos essenciais no destino de quase todos os personagens da história.
Em torno a esses acontecimentos, VH vai discorrendo a sociedade francesa, suas classes, suas instituições, a igreja, o exército, a monarquia e os aristocratas, os grandes e pequenos burgueses, os estudantes (estes têm uma importância especial até hoje), o povo e, principalmente, a cidade de Paris e seus miseráveis. Da miséria saem os principais personagens. Aqueles que vamos amar e nos emocionar até às lágrimas.















Dos critérios formulados por Aristóteles, em sua arte poética, para se caracterizar uma tragédia, nós, em "Os Miseráveis", de imediato, temos um: Os heróis. De fato, uma heroína e um herói. Quem serão eles? Jean Valjean é o nosso herói. Mas e a heroína, Cosette? Não, Fantine.














Ah, aquelas páginas transcorridas em Montreil-sur-mer após a demissão da fábrica são daquelas páginas da literatura que quem leu
não pode tê-lo feito sem sentir o coração partir...Foi preciso um livro para me dar conta de quão desgraçada e infame é a miséria de um ser humano. E ainda por cima quando se é mulher. A cena da delegacia, Deus meu, é o cúmulo do sofrimento e da frieza humanas. Você que está lendo estas tolas linhas saiba que deverá se preparar para ler esse livro se ainda não o fez, pois não sairá dele igual entrou. Como todo grande livro, este vai te queimar. E essas páginas a que me referi serão apenas as primeiras. Se conseguires passá-las com prazer (se é possível dizer-se isso) e não por obrigação é sinal de que você sabe. De que? não sei. E não importa.
Fantine é a nossa heroína, pois entrou na vida sem saber e saiu sabendo por sua própria vontade. Imaginem uma rosa transformada em excremento, em adubo para a terra, quando ainda é fresca e viçosa. Não sei se exagero, mas se eu fosse Deus, depois dessas páginas, quereria destruir o mundo.

Não há como negar que o que faz desse livro uma obra-prima é a sua capacidade de nos fazer ver como se dá o caminho que uma pessoa percorre até chegar na pior humilhação ou abjeção possíveis. Aqueles homens, mulheres e crianças que vemos se arrastando pelas ruas, em trapos, fétidos, famintos, perdidos, degenerados, desesperançados, tão infelizes que nem se importam com mais nada, solitários, doentes, desamados e desalmados, enfim, aqueles mortos-vivos, um dia, foram iguais a nós. Eles não nasceram assim, se transformaram. Foram moídos e triturados pela máquina da mesquinhez e usura humanas de que fazemos parte. É impressionante.














A cena da criança raquítica indo buscar água no fundo da floresta escura, com um balde quase de seu tamanho, apavorada, sem saber se temia mais o escuro e ruídos da floresta ou a perversa madrasta, se arrastando com o balde, parando a cada quatro passos para descansar e imediatamente continuando, tão pequena, tão indefesa, tão sozinha, Deus do céu, é de fazer chorar. E eu chorei é claro, sou sentimental.





















Mas Jean Valjean é o nosso herói. É ele que, ao longo do livro e, principalmente, em seu final, vai nos fazer sentir alguma esperança na espécie humana. Jean Valjean me fez sentir como uma barata. Eu não sigo nenhuma religião, mas se Jesus não tivesse existido, como se iria explicar Jean Valjean? Não por causa da religião (mas por causa também), mas por ser ele, nosso herói, tão sublime quanto o Cristo. JV se achava culpado. Mas ele não era. Acho que Vitor Hugo também o achara culpado. Mas não era não. Dezenove anos na prisão por roubar um pão. Que coisa este planeta terra, que coisa...Jean Valjean se achava culpado e por isso queria espiar seu crime. Não sei se Dostoievsky escreveu seu "O Idiota" antes de "Os Miseráveis", mas se eu pensar bem, e sentir bem, Jean Valjean era mais belo que o Príncipe Mishkin. Não sei se pode haver a comparação. Talvez seja uma bobagem, mas eis aí o Gigante.

Há o santo e o monstro obtuso, que só é monstro porque é obtuso: Javert. Jean Valjean pirou a cabeça de Javert. Javert não podia entender o amor e soube, em um momento de grandeza, reconhecer isso. Javert foi um monstro útil. O Bispo Bem-vindo era o santo, o catalizador, a substância que adicionada, muda a matéria.













Há também três personagens que aparecem por instantes. São os quatro filhos dos Thenardier: Gavroche, a bela rosa mísera Eponine e mais os dois pequenos. Me lembraram um garoto que conheci nos tempos em que trabalhei como educador social pelas ruas de Belo Horizonte. Formávamos uma equipe de abordagem de rua e saíamos todos os dias bem cedo para visitar os buracos em que as crianças e jovens de rua se escondiam para dormir. O local era a região da estação central de trens, entre os viadutos da Floresta e de Santa Tereza. Mas esse garoto, de quem não me recordo o nome, não o encontramos ali não. Foi na região do Minas Shopping, em uma garagem de ônibus, destes que fazem as linhas intermunicipais. O menino dormia dentro daquele buraco onde se para o veículo em cima para a manutenção. Ele dormia em cima de um papelão, sem coberta alguma, só com os trapos que vestia, entre restos de comida, graxa e uma ratazana morta. Nunca me esquecerei dessa cena. Convencemo-lo a nos seguir até a sede. O menino, sua aparência, era terrível. Macilento, de sua boca, quando falava, saia já um odor de morte. Era um cheiro de podridão, como se ele estivesse se desfazendo por dentro. Levei-o, já na sede, para uma mesa onde coloquei em cima um pacote dessas massas de modelar coloridas. Ele observou mas não fez nada. Comecei então a mostrar-lhe o que era e para que servia. Ele sorriu, espantado; nunca havia visto tal brinquedo. Suas mãozinhas não conseguiam manipular a massa, não tinham força nem coordenação. Eu não estava mais conseguindo lidar com aquilo. Olhei para o chefe, desesperado. Não pude dar conta daquilo. Ele entendeu, disse-me para ir embora e ficou com a criança. Depois soube que ele havia se evadido do albergue para onde foi levado. Aquele menino não durava um mês. Nunca mais soube dele. Saí daquele trabalho pouco tempo depois. Confesso, ter estômago era difícil, mas o mais difícil era ver que nada daquilo funcionava. O estado fingia que fazia. Os perdidos eram perdidos mesmo. Sei lá.
Aquelas crianças Thenardier me lembraram desse caso.














Mas o homem que era um Gigante e que se achava um nada, é desse a raça que vai salvar a humanidade com o exemplo. Na cena final, quando de sua morte, onde se lê:

"Tinha-se encostado para trás; a luz dos dois castiçais iluminavam-no; o seu rosto descorado olhava para o céu, e deixava Cosette e Marius cobrir-lhe as mãos de beijos; estava morto.
A noite não tinha estrelas, e era profundamente escura. Sem dúvida, no meio da sombra, estava de pé algum anjo imenso, de asas abertas, esperando a alma."














Bem, mui humildemente vou discordar de Vitor Hugo. Não era um anjo imenso. Eram muitos anjos. Se eram imensos não sei. Mas, com certeza, se vale a pena se falar de tamanho, eram todos menores que ele.

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Obs. Trabalhar com muitas imagens no blogger é foda. Ridículo, mas necessário.

33 comentários:

  1. Oi Josaphat, estou aqui...

    Cara, você fez uma análise legal do livro, li há muito muito tempo, foi emocionante ir recordando cada personagem, cada contribuição fantástica de cada um deles à história, fica até difícil situar apenas um. Para mim, o momento mais lindo e triste foi a morte do menino Gavroche, brincando de catar balas de revolver no chão, e se esquivando dos tiros, um alvo vivo, sendo tratado como um alvo vivo, uma diversão, foi comovente demais, nada muito diferente da realidade das nossas balas perdidas. E costurando isso tudo, Jean Valjean, e não esquecendo a importância de Javert na história, não parece um contraponto? Chega uma hora que a gente percebe que Javert abdicou da própria existência, passou a existir em função da caça. Lindo demais,um dos mais belos livros que ja li.

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  2. É minha querida,
    nunca vou esquecer este livro; entrou para a galeria dos livros terríveis.
    Que bom a tua visita!
    Abraço!

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  3. fechei a ultima pagina de os miseraveis ontem! e sem dúvida é um livro que nos transforma, nos emociona nos aproxima daquilo que de mais humano temos e nos faz repensar o nosso conceito daquilo que pode ser a "miséria" humana! Gostei muito da sua análise e concordo com as apreciações que faz sobre os herois da história! Eu fiquei com um carinho especial por gavroche o gaiato soldado, a criança-homem, orfão de pais vivos, o raio de luz de quem está determinado em ser alegre no meio da miséria!... tocou-me desde que, sem saber, tomou conta dos irmãos perdidos na rua até à altura em que dá o corpo ao manifesto na barricada, morrendo a cantar! Um livro intemporal!!

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  4. Realmente é uma obra-prima. A minha análise é por demais simplória e superficial para o tamanho da obra de V. Hugo. A minha intenção foi de divulgar o livro e inspirar as pessoas a fazerem seus próprios comentários. Como os teus, Dina.
    E parece que Gavroche se vai tornando o herói da história. Ele merece.
    Obrigado pela visita.
    Abraço,

    Josaphat

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  5. Apesar de ter lido apenas a adaptação ,gostei muito,me parece um livro maravilhoso em que conta história de miseráveis e faz uma relação entre eles.A forma como o autor e o adaptador contextualizaram a estória me deixou impressionada .Parabéns pela ótima capacitação.

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  6. Muito boa sua análise, me ajudou num relatório da faculdade, obrigada. beijos...

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  7. Perfeita sua análise, esse livro realmente é muito bom, faz tempo que eu o li, e pude reviver a história através dessa postagem, e ver aspectos que antes eu não tinha percebido. Obrigada, beijos

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  8. Jhéssica, sempre achei essa história um prato feito para a área do direito. Tudo gira em torno ao valor das leis, representado na figura de Javert, os franceses do século XIX discutiram muito isso, adventos burgueses da revolução.
    Mas há muita beleza!
    Beijos obrigado

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  9. eu estou lendo o livro, to achando beem interessante a historia, mas nçao deu temo de ler tudo ele e a professora ira fazer uma prova sobreo livro quinta feira agora. ALguem sabe me dizer onde eu encontro a historia inteira?
    obrigada

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  10. Danielle, postei um link do ebook logo após o último parágrafo. São 4 ou 5 volumes se não me engano, em .pdf. Na biblioteca pública de tua cidade deve ter também. Ou em uma boa livraria se quiseres comprá-lo.
    Abraço e boa prova.

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  11. Li este livro há pouco como avaliação no colégio, o achei muito bom, e sua análise dele é ótima, parabéns

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  12. acabei de ler o livro ontém.Um personagem que poucos comentam, mas para mim se aproxima do heroísmo de Fantine, é Eponine. Salvou a casa de João Valjean de ser assaltada, enfrentando 6 ladrões; salvou a vida de Mário, entregou a carta de Cossete... Uma jovem que foi mimada quando criança e depois transforma-se num ser deformado física e moralmente pela extrema miséria. ao sentir que vai morre fica até contente e exclama: Já não sofro mais!

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  13. É verdade anônimo. Eponine e Gavroche são os heróis Thenardier. Ela talvez mais que ele. Foi uma falha minha em não ter falado sobre essa personagem impressionante que merece uma análise à parte. Suas ações são como que um sacrifício pessoal para consertar o erro dos pais. Como disse um poeta: ...não existe emprego ou desemprego em que o homem não possa ser herói...
    daí a gente faz a analogia.
    Salve Eponine!
    Obrigado pelo comentário.

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  14. Belo post. Parabéns pelo Blog e pela dedicação de divulgar a arte dentro do seu verdadeiro papel: melhorar nossas vidas. Continue o ótimo trabalho!

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  15. adoro este livro parabens

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  16. eu AMEEEI o livro .. Perfeito esta de Parabéns *-*
    Bjs Naay F.

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  17. Esse livro realmente e um livro muito emociomante que abrange temas sociais e morais vividos pelos personagens prinsipais Corsset eh Jean faz tempo que li mais fico bem marcado pois ah historia eh muito cheia de emosao

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  18. Trabalhei com meus alunos essa linda obra e tive uma grande surpresa, pois alunos que repudiavam a leitura ficaram fascinados com a leitura.Sem dúvida, é um grade clássico. Você está de parabéns com a análise que fez.
    Malu

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  19. PARABÉNS!GRANDE LIVRO.ÓTIMA INTERPRETAÇÃO.

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  20. amei ese livro ele e muito bom arazou parabens

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  21. Muito massa este livro...

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  22. infelismente na nossa lingua nao tem um adjetivo para exprimir essa obra de arte.

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  23. adorei vc é uma pesoua muito sabida além de tudo suas palavras otimas palmas!palmas!palmas!!!

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  24. Ao longo do tempo em que eu fui lendo o livro eu nem havia percebido o quão interessante ele é. Com a leitura do seu blog e outros também eu fui percebendo o interior de cada um dos personagens.
    Eu vou ter uma prova sobre esse livro na quarta-feira, espero me sair bem. Foi o primeiro livro dos que eu li completo... Mas eu queria saber como seriam as perguntas, tipo assim sobre minha opinião ou profundamente sobre a história do próprio livro. Mas isso só quem pode me responder é o professor (kk). - tenho 12 anos.- * Basta sempre termos oportunidade apostadas em nós mesmos. *

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    1. MMMMMMmeu comentárrrioo u.ú

      ... A prova já é amanhãa ;*
      .

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    2. Amiguinho, tudo bem?
      Eu não tenho como saber o que seu professor irá perguntar sobre o livro, mas na certa será adequado à sua idade e compreensão. Se você leu o livro ou um resumo - que seu professor indicou - não se inquiete.
      Acredite em você e boa sorte!

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    3. EEée a prova é jj tou contando os min e sendo q tbm vai valer junto da outra noota, que foi da peça que agnte fez sobre ''Os Miseráveis''.
      TTou nervosaaa
      e será adequado com minha idade de cliança *-----*
      asuashu'

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    4. Espero que faça uma boa prova.
      E depois você me conta como foi.

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    5. O prof faltou no dia da prova, vou fzer quarta -feira
      :)

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  25. AA prova é hje...
    Eu confio em mmimmm *----* '

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    1. EEE quando eu recebr minha provaa
      eu venho aq no blog
      flr minha nootaa
      ;) '

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