Acabei de ler O Idiota, de Dostoiévsky - ed. 34, tradução de Paulo Bezerra, direta do russo. É um livro que entrou para aquela minha galeria de livros terríveis. Esse tipo de livro, geralmente, me obriga a uma leitura compulsiva e sem pausas. No entanto, tive de interrompê-lo no final da segunda parte por cansaço, mas principalmente, para me permitir uma digestão do volume de sensações e imagens que o romance traz. Há muita coisa nesse livro.
Os livros terríveis são aqueles que me jogam a alma no desassossego e em um sentimento de angústia e de solidão. Mas também me colocam em contato com a sublimidade da vida.
É o quinto livro que leio de Dostoiévsky, sendo o primeiro “Humilhados e Ofendidos” - que é o que mais gostava até ontem – depois “O Jogador”, seguidos por “Crime e Castigo” e “Os Irmãos Karamázov”. Todos terríveis.
A história de “O Idiota” gira em torno de dois dentre os mais fascinantes personagens que já vi: o bom e puro príncipe Míchkin e a irremediavelmente perdida e cindida Nastácia Filíppovna. No final do livro, Dostoiévsky, com sua pena mágica, nos apresenta uma cena que, confesso, talvez seja a principal razão de meu desassossego. Cena trágica, terrível e de difícil assimilação.
“O Idiota” é, seguramente, um daqueles livros que, se a vida o permitir, deve-se ler várias vezes.
Há um ebook na internet, em português, da tradução de José Geraldo Vieira, em PDF aqui.
Ou aqui em DOC.
Ou compre o livro.
Um exemplo trágico, mas belo. Magnífico, mas triste. A mulher cindida, a santa e a puta. Talvez o único sentido desse livro seja por si mesmo. Talvez os dramas e tragédias dessa vida só sirvam mesmo para isso, para se fazer arte. Se há algum outro sentido em tudo isso, alguém mo diga. Se não fosse assim, melhor seria jogar livros como esse fora. E como teria Michkin dito: A beleza salvará o mundo.
"- Quem manda aqui ainda sou eu. Se me der na veneta ainda o ponho para fora aos pontapés! E ainda está com o dinheiro, hein? Tire a mão desse embrulho aí em cima da mesa. Dê-mo. Neste pacote tem mesmo cem mil rublos? Credo que embrulho horrendo! Mas que é que tu queres, Dária Aleksiéievna? Achavas então que eu deveria me casar com o outro. com o príncipe? (Apontava para Míchkin.) Querias que eu me arruinasse com ele? O coitado necessita é de uma aia! Como pode ele casar? Ali o general bem podia ser a ama dele. Repara: não o quer largar. Olhe, príncipe, eu, sua ex-noiva, agarrei o dinheiro. Sou ou não sou uma mulher ordinária? E era com uma mulher assim, príncipe, que desejava casar? Mas... que é isso? Está... chorando?! Ficou triste? Ora, ria como eu.
- E ao dar este conselho não pôde Nastássia Filíppovna evitar que duas grandes lágrimas lhe deslizassem pelo rosto abaixo. - Confie no tempo, que tudo faz passar. É preferível refletir dobrado agora do que mais tarde sem parar... Mas vocês todos deram agora para chorar? Pois não que Kátia também está chorando? Que é isso, Kátia? Vou deixar um presente para você e outro para Pácha. Não pensem que me esqueço de vocês, não. E agora, Kátia, volte para os seus. Fiz uma rapariga honesta como você perder o seu tempo com uma mulher ordinária como eu... Pois, príncipe, a falar verdade, é melhor assim, muito melhor. Mais tarde se arrependeria, príncipe, e não seríamos felizes. Não adianta jurar; sei que me desprezaria! E como tudo viria a ser estúpido, depois... Não, mais vale nos separarmos como amigos, pois não daria certo. Teria sido um sonho, nada mais. Não sonhei eu com príncipe? Claro que sonhei! Sim, sonhei, há muito tempo, quando morei solitária durante cinco anos, naquela casa de campo em plena estepe. Outra coisa não fazia eu senão pensar e sonhar... sonhar e pensar. Imaginava sempre alguém como o meu bondoso Príncipe Míchkin, correto e direito, e ao mesmo tempo tão ingênuo que não cessaria de proclamar diante de toda gente: “Por que censurar-te, Nastássia FiLíppovna? Em quê? Por quê? Eu... que te adoro!” Era hábito meu devanear assim. E tanto, tanto... que, quase perdi o juízo. E eis que vinha sempre aquele homem, quedava-se dois meses por ano, e me trazia o quê? Vergonha, desonra corrupção, degradação, posto o que, se ia embora. Como podia eu suportar aquilo? Milhares de vezes me vinha a tentação de me atirar na represa: mas tão pobre criatura era eu que nem coragem para isso me sobrava... Mas agora... Rogójin, você está pronto. Então vamos!!!"
Descobri Dostoiévsky agora, depois de velha, li Crime e Castigo e me apaixonei pelo autor, agora estou lendo "Noite Brancas". Adorei essa ficção meio psicanalítica do século XIX
ResponderExcluirEste livro é maravilhoso. Você vai lê-lo também, se quiser, assim como "Noites Brancas" também vou ler eu, que ainda não o fiz; tem lá na Biblioteca. Dostoiévsky me faz ficar meses pensando.
ResponderExcluirNossa...que legal achar esse blog na net. De Dostoiévsky, li apenas Crime e Castigo, o que foi suficiente para eu me apaixonar. Estava indecisa sobre qual leria agora, estava. Depois dessa sua postagem, não há como não ler O Idiota,porque também adoro livros terríveis....A propósito, parabéns pela definição do terrível, assim verbalizada,ela é ainda melhor!
ResponderExcluirEra muito nova quando li o meu primeiro livro de Dostoiévsky "Humilhados e Ofendidos", hoje posso dizer que foi um dos principais pilares do meu crescimento interior.
ResponderExcluirMuitas vezes dou por mim a recordar algumas cenas e a pensar exactamente na "sublimidade da vida", talvez uma das razões porque a maioria das pessoas, hoje, dificilmente me conseguem tocar.
Educarmo-nos não deveria servir para reduzir o leque de coisas que nos toca. Eu não deixo de me maravilhar com o céu, com as árvores, com os pássaros, com as coisas belas e naturais, enfim, que ainda nos cercam. São sublimes também, olha!
ResponderExcluirMas as pessoas, estas sim, são de fato de desanimar.