quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Duas horas da manhã

















Ele acordou às duas horas da madrugada. Sentiu necessidade de urinar. Levantou-se, não sem uma certa coragem, pois havia chovido durante a noite e fazia frio. Voltou do banheiro, meteu-se embaixo do cobertor, mas não conseguia dormir. Viu o irmão chegar quase às três e pensou em como ia ser difícil para ele mudar os velhos hábitos agora que se tornara um dos nossos mais novos servidores públicos. Ficou ali pensando em como não havia ido à escola na noite passada. Afora o problema da motocicleta e do frio, havia a sua já total incapacidade de entrar em uma sala de aula. Não tinha nada mais para dizer àquelas pessoas. Não queria seduzir, nem convencer ninguém de mais nada. Não queria mais ouvir risinhos sarcásticos quando falava das coisas da arte, das únicas coisas, a seu ver, que valiam a não extinção da humanidade degenerada e perdida que nós somos. Mas eles não se interessavam. Faziam as coisas por obrigação. Não eram estudantes, apenas corpos presentes. Não havia um só que se interessasse por leitura. Machado de Assis, muito conhecido escritor, um exemplo, nem gostava muito, e alguém dizia: É um músico famoso. Por Deus, dizia, é assim. Não conseguia mais aturar aquilo. Havia ainda as ameaças, os olhares intimidadores, os cochichos. Ficou pensando em que fazer. Para onde ir. A que mais seria capaz de se dedicar para conseguir o malfadado dinheiro. Não encontrou resposta alguma. As horas foram passando. O dia amanhecia. Sentia um cansaço muito grande. Foi ao banheiro de novo. A chuva havia parado. Pensou que ia adiar para a tarde a oficina. Pensou nos livros que acabara de ler. As histórias tristes. Não sabia se estava triste por causa das histórias ou se, por estar triste, as procurava. Bobagem. Sabia o quanto era melancólico. Gostava da sua melancolia. Mas, no entanto, sabia também que aquilo tudo já estava indo longe demais. Pensava a quanto tempo não amava. Quase não mais saia de casa. Andava bebendo muito. Algumas mulheres, na rua, ainda olhavam para ele. A idade não era o problema. Mas não sentia aquelas mulheres mulheres. Ah, sim, a aparência. Aqui, em sua cidade, aparentemente belas as havia aos milhares. Bem vestidas, bem cuidadas, com suas curvas sinuosas reveladas pelos jeans apertados. Os umbigos de fora. Os seios querendo se mostrar pelos decotes. Mas, olhava em seus olhos e não havia mistério ali. Jogos sim. Não conseguia mais, como na juventude, se interessar apenas por esses corpos. Queria o mistério no olhar. Assim, nesses pensamentos, com o dia amanhecendo, adormeceu novamente. Sonhou então: A moça disse - vinte e cinco de março, é o meu aniversário, é touro não é isso, não tenho certeza - Ele disse - Acho que é áries, o primeiro signo do ano astrológico. Áries é cabeçudo - Ela riu - Estavam então já em outro lugar. Havia pessoas muitas andando de um lado ao outro. Ela estava a seu lado. Ele olhava para as suas mãos e sentia um desejo enorme de tocá-las. Ela percebia e ria. Mas não de maldade. De repente já não havia mais ninguém. Ela tocou-lhe o ombro e chamou-o - Vamos, acabou. Ele a seguiu. Ele sabia que ela era um sonho, mas ainda assim, a amou.

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