sexta-feira, 18 de julho de 2008

Os Cátaros e o equilíbrio entre as castas











Acabei, por estes dias, de ler um livro sobre o que foi um dos maiores genocídios da história, qual seja, o extermínio dos Cátaros, ou Albigenses. O catarismo foi uma filosofia, ou mesmo um modo de vida, assentado no que se poderia chamar de neo-cristianismo, ou, para ser um pouco mais preciso, de uma organização social baseada num cristianismo primitivo, orientado pelas relações fraternais entre os indivíduos, indepentemente de suas posições sociais, gêneros, condição econômica e opção religiosa. Desenvolveu-se de forma notável na região que, hoje, é o sul da França, e que ainda recebe o nome de 'languedoc'. O languedoc, ou occitânia, é onde se dizia 'oc', ao invés de 'ouc' que era o vocábulo francês 'sim'. O occitano é um dos idiomas mais parecidos com o português que já vi. Mistura de francês e espanhol, puxando mais para esta última. A sociedade cátara, habitante desta vasta e rica região, convivia com o mais da população - os católicos - de forma pacífica e amistosa. Os católicos occitanos frequentavam as residências cátaras e vice-versa. Além disso, e uma das coisas que mais me chamou a atenção, era a incrível movimentação que havia entre as classes sociais. Ainda que raros fossem os casamentos entre nobres e plebeus, ambas as castas conviviam e se frequentavam.
É aí que mais me impressionou o fenômeno cátaro. Uma comunidade fraterna, onde todos se irmanavam nas soluções dos problemas comuns, tendo a elite - a nobreza - o papel de financiar e administrar as benfeitorias públicas. A tolerância era de praxe, tanto entre cátaros, quanto entre os católicos.
Diferente de seus similares católicos, os sacerdotes e sacerdotisas cátaros, que trabalhavam sempre em duplas, como um casal, eram chamados de 'parfaits e parfaites', ou seja, 'perfeitos e perfeitas'. Esses títulos não os empregavam eles próprios, sendo as denominações dadas pela história, que foi contada, exclusivamente, pelos inquisidores católicos. Esses 'parfaits' e 'parfaites' viviam modestamente, visivelmente destoando do luxo e da pompa adotada pelo clero da igreja católica. O povo percebia.
O catarismo foi exterminado por ordem expressa dos Papas.
A Igreja não podia tolerar um cristianismo autêntico que pregava uma relação individual com Deus, que afastava, quase que totalmente, a mediação da religião instituída, sendo os seus sacerdotes e sacerdotisas incumbidos, praticamente, a só oferecer conselhos e cuidados aos necessitados. Não poucos eram médicos e médicas.
Não quero aqui discorrer sobre a questão da Inquisição e do imenso malefício causado ao mundo por essa Igreja de Roma. O que chamou-me a atenção e quero pontuar aqui era o equilíbrio social provido pela fraternidade e pelas ações de uma elite comprometida com o povo e o país. Era o Languedoc, então, como uma nação independente - ainda que o não fosse de fato, pois devia vassalagem ao Rei de França, mas uma vassalagem formal - com economia, território, religião, língua e administração próprias. Uma nação que prosperava e oferecia ao mundo de então, talvez não uma nova, mas uma forma de sociedade raramente encontrada em nossa história, onde as castas conviviam equilibradamente, onde não havia miséria - todos se ajudavam mutuamente - e onde as lideranças trabalhavam para o social e não para si mesmas. Quão diferente de hoje...
A Igreja de Roma, em algumas décadas, com o uso da violência de uma cruzada - cristãos contra cristãos - e da inquisição, varreu esta sociedade exemplar da face da Terra. Uns falam em um millhão de mortos, outros de algumas centenas de milhares. O certo é que muitos foram executados em fogueiras coletivas, onde às vezes, eram queimadas vivas nada menos que quatrocentas pessoas. Coisa inimaginável.
Fiquei pensando se é possível o sonho de uma sociedade justa. Quando vejo a elite, financeira e intelectual, que existe em este nosso país, penso no quão distante estamos daquele mundo dos Cátaros, onde a nobreza organizava e financiava multirões para se construir casas e obras públicas.
A nossa elite nunca se interessou pelo povo, a não ser para explorá-lo. E todas as tentativas que são feitas para beneficiá-lo são, imediata e radicalmente, obstruídas por aqueles que têm a obrigação ética de realizá-las, pois que melhor preparados, melhor nutridos, melhor estudados.
Urge, no Brasil, o surgimento de uma nova elite, identificada com os valores de nossa terra. Não essa, que aí está, e que carrega a fantasia de se achar norte-americana ou européia, por ter dinheiro no bolso e pouca melanina na pele.
Não sei se fantasio eu, mas uma hora virá que não mais poderão influenciar nos destinos do país. Não mais manterão seus privilégios à custa da mentira publicada e dos golpes bilionários abafados e ocultados da vista de todos por um poder corrompido.
Parafraseando a imortal Antígona, não acredito que a lei que aí está seja a lei dos deuses. É apenas a lei ocasional de alguns homens. Arriscar seguir esta lei de homens é arriscar trair as outras, dos deuses, pois estas não são de hoje nem de ontem mas de todos os tempos.
A esses, os poderosos ocasionais - ainda que uma ocasião de séculos - a lei dos deuses alcançará.
E o castigo, este será certo.
Pelo menos, sonhador ou não, crente ou não, é o que espero.

Um comentário:

  1. Caro amigo, que bela lembrança.
    A Europa é um continente cuja história não tem mais espaço para tantos massacres.
    E tantas iniciativas, tantos experimentos.
    Grande texto!

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