quinta-feira, 24 de julho de 2008

A noiva de Corinto






















Na impossibilidade de ler "A História da Revolução Francesa" de Michelet (até tem, para consulta somente, aqui em nossa biblioteca pública, mas em francês), encontrei um outro seu livro, este para empréstimo, de nome "A Feiticeira". Estou lendo-o. No comecinho do livro, ele cita uma história antiga, contada por um tal de Flégon, nos tempos de Adriano, e que acabou chegando até os dias de hoje. Não vou fazer aqui uma interpretação, mesmo porque a sua forma de escrever é um tanto, propositalmente, intrincada. Cabe ao leitor decifrar a história.

Um jovem de Atenas vai a Corinto, à casa daquele que lhe prometera a filha. Ele continuava sendo pagão e não sabia que a família para a qual iria entrar acabara de se tornar cristã. Ele chegara bem tarde a Corinto. Todos já se haviam recolhido, menos a mãe de sua noiva, que o recebe, lhe dá de comer depois o leva a dormir. Ele morre de cansaço. Quando começa a ressonar, uma figura entra no quarto: É uma jovem, toda coberta por um véu branco, com uma faixa negra e dourada circundando a fronte. Ela o vê e, surpresa, levanta sua branca mão:
“_Será que já sou tão estrangeira nessa casa?... Ai de mim, pobre reclusa... Mas tenho vergonha, partirei. Repousa.
“_Fica, bela jovem - diz o rapaz; aqui estão Ceres, Baco, e, com tua presença, também o Amor! Não tenhas medo, não fique assim tão pálida!
“_Ah, quem me dera gozar ainda momentos de alegria! Mas em virtude de promessa feita por minha mãe doente, a juventude e a vida foram-me para sempre atadas. Os deuses me abandonaram. Agora, os sacrifícios são feitos somente com vítimas humanas.
“_Mas, como, serás tu! Tu, minha noiva amada, que me foi prometida desde a infância? Os votos de nossos pais nos ligam para sempre, sob a bênção do céu! Ó virgem! Sê minha!
“_Não, meu amigo. Não possuirás a mim, mas à minha irmã mais nova. Se eu chorar em minha fria prisão, pense em mim, nos braços dela, em mim que me consumo e não penso se não em ti; em mim, que a terra vai recobrir.
“_Não, eu reconheço esse ardor: é a chama do matrimônio. Tu virás comigo à casa de meu pai. Fica, minha bem-amada.
“Como presente de núpcias, ele lhe oferece um cálice dourado. Ela lhe oferta a sua corrente, mas, em lugar do cálice, prefere uma mecha dos cabelos do jovem.
“É a hora dos espíritos. Ela sorve com seus lábios pálidos o vinho cor de sangue. Em seguida,ele avidamente esvazia seu cálice. Embora com o coração fraquejando, ela ainda resiste. Mas ele se desespera e se lança chorando sobre o leito. Ela se aproxima e diz:
“_Ah, como tua dor me maltrata! Mas se tu me tocares, como me sentirás gelada! Branca como a neve fria, como o gelo, ai de mim, eis como é tua noiva....
“_Vem - diz o jovem -, eu te reanimarei! Quando tu abandonares o túmulo...
“Suspiros e beijos são trocados.
“_Não vês como ardo?
“O amor os aproxima, os une. As lágrimas se misturam ao prazer. Ela bebe, excitada, o fogo em sua boca. O sangue congelado transforma-se em ardor amoroso, mas o coração não bate mais em seu peito.
“Entretanto, a mãe espreitava, escutava tudo. Doces promessas, gemidos de dor e volúpia.
“Silêncio!”, diz a jovem, O galo está cantando! Até amanhã, à noite!
“Depois, adeuses beijos e mais beijos.
“A mãe entra, indignada e depara com a filha. O jovem procura protegê-la,
abraçando-a. Mas ela se liberta de seus braços, levanta-se e se dirige à mãe.
“Ó minha mãe, invejais minha felicidade, expulsastes-me para aquele lugar sem vida. Não estais satisfeita em me ter enrolado na mortalha e tão depressa me conduzido ao túmulo? Mas uma força levantou a pedra. Belas palavras vossos padres resmungaram sobre minha tumba! Que fazem o sal e a água, onde arde a juventude? A terra não esfria o amor! Vós prometestes; eu venho reclamar meu amado... Infelizmente, meu amigo, é preciso que morras. Tu desfalecerás, tu esfriarás aqui. Tenho comigo teus cabelos, amanhã eles estarão brancos... Mãe, uma derradeira súplica! Abri meu negro cárcere, fazei uma fogueira, e que os amantes tenham o repouso das chamas. Que cintilem as faíscas e se avermelhe a cinza! Nós caminharemos para junto de nossos antigos deuses .

Michelet, Jules em "A feiticeira", Círculo do livro - p.23

Um comentário:

  1. ótimo, excelente. acho interessantíssimo como Goethe é capaz de fazer um poema de época (ressaltando, principalmente, a palidez feminidade como ideal de beleza da época) que até hoje pode ser apreciado de forma deliciante. gostei do blog =)

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