domingo, 12 de abril de 2009

As Troianas






















Assisti hoje ao filme "As troianas" do diretor grego Michael Cacoyannis. O filme é de 1971 e traz no elenco Katharine Hepburn como Hécuba, Vanessa Redgrave (linda, ainda muito jovem) como Andrômaca, Geneviève Bujold como Cassandra e Irene Papas (magnífica) como uma Helena morena de longos cabelos negros. Esta Helena seria no mínimo ridícula - pois uma morena para representar uma personagem sabidamente loira é meio que uma forçada de barra - se não fosse o talento da grega. Aliás, nesse ponto estranhei o filme, pois também a personagem de Andrômaca, que sabidamente era mulata ou pelo menos muito morena é feita por Redgrave, que mais branca e loira impossível. Não tenho dúvida que as quatro penaram para realizar os respectivos papéis, todos dificílimos.
Para quem não sabe, "As troianas" é uma das peças do trágico ateniense Eurípedes que nos chegaram inteiras. A peça narra a situação das mulheres troianas logo após a queda da cidade e a matança de todos os homens, enquanto aguardam o sorteio para saberem a quem serão destinadas como escravas. É um filme angustiante pois o cenário todo é de desolação e perda. A rainha troiana, agora reduzida à servidão, vai recebendo uma a uma as lúgubres notícias trazidas pelo arauto Taltíbio: primeiro a morte da filha mais nova, Polixena, degolada sobre o túmulo de Aquiles (a conselho de Ulisses), depois a loucura da outra filha Cassandra que é levada como concubina do Rei grego Agamênon. Em seguida a prisão da nora Andrômaca e a morte do neto, filho desta, precipitado de cima da muralha da cidade por ordem de Ulisses: "Não se pode deixar viver um filho de tão grande herói; pode ele, no futuro, querer vingar o pai". Nesta passagem, quando Andrômaca recebe o comunicado de que deverá entregar o filho ao arauto, Miss Redgrave uiva como uma loba, é de arrepiar.
Katherine Hepburn é quem conduz a trama e o faz divinamente.
Irene Papas faz uma Helena dissimulada - foi assim que Eurípides a retratou na peça - que não se perturba em banhar-se na frente das demais mulheres quando todas estão a morrer de sede. Na passagem em que argumenta com Menelau, tentando seduzi-lo e, em seguida, é desmascarada por Hécuba, a gente percebe o seu constrangimento. Como eu disse, magnífica. Adoro esta atriz.
A franco-canadense Geneviève Bujold - de Ana dos mil dias, onde faz a Bolena, mulher de Henrique VIII - interpreta uma Cassandra enlouquecida e conformada com o destino.
O cenário e figurinos são excelentes (não tem nada daquele luxo do recente "Tróia"), as mulheres se trajam quase todas de preto, o uniforme dos soldados gregos é simples, como deveria ser naquele tempo e a locação parece ter sido em alguma ruína antiga da Ásia menor, uma paisagem árida e desolada.
Eurípides não acreditava mais nem em deuses, nem em heróis e nem nos homens. Conviveu com inúmeras guerras e se entristecia com o sofrimento humano, Não era sociável e dizem que um tanto misógino. Em suas tragédias, pelo menos nas que li, todos os heróis homéricos são reduzidos a crápulas, assassinos de mulheres e de criancinhas.
É o melhor filme que já vi sobre o ciclo troiano.
Com a queda de Tróia, que foi a grande guerra mundial da antiguidade, um novo ciclo começou. O mundo matriarcal ruiu de vez e o macho assumiu o seu triste papel de controlador da vida no planeta, por meio da força bruta e da violência.
Espero que não precisemos de outra guerra mundial para passarmos para um próximo ciclo.
E que esse ciclo seja de paz enfim.
Para quem aprecia a história, ainda que triste.

10 comentários:

  1. Como assim "Com a guerra de Tróia (...) O mundo matriarcal ruiu de vez (...)"?

    O filme é mesmo muito bom.

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  2. Anônimo (coisa chata essa de anônimo), é a interpretação que faço da simbologia da personagem de Helena. É sabido que Esparta, e o advento de Menelau foi um símbolo, já que o período chamado de idade das trevas que se seguiu ao fim da guerra inibe um entendimento melhor, era predominantemente matriarcal. A Ásia era, também, o continente dos cultos femininos da Deusa, tão bem representados por Cibele ou Astarté entre outras. Tais cultos foram assimilados pelos gregos mas já em condição menor, todos suplantados pelo Apolo pítio de Delfos.
    É uma longa história.
    Obrigado pelo comentário!

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  3. Desculpa usar o anonimato. É falta de experiência minha. Nos blogs.

    A minha experiência em literatura clássica grega me diz que, embora houvessem deusas no Olimpo, como Hera, Athena, Ártemis etc, o Supremo deus era Zeus, homem. No mundo mortal, os reis eram homens, em Tróia, era Príamo, entre os Aqueus (Grécia), o rei dos reis era Agamemnon e havia outros reis, homens, entre eles Menelau, rei de Esparta, Aquiles, rei dos Mirmidões e outros reis, todos homens. Os guerreiros eram homens. A tragédia "As Troianas" deixa bem claro qual era a condição da mulher humana: rainhas eram feitas espólio de guerra. Antes mesmo da Guerra de Tróia começar, pois Aquiles, na Ilíada, entrou em querela contra Agamemnon porque este lhe tirou o espólio de guerra, Briseida (ou Briseis). Era a condição da mulher. Jocasta, na tragédia Édipo Rei, foi espólio de guerra para Édipo, por isso casada com ele. Enfim, este mundo matriarcal arcaico, de que você falou, que teria sido ruído pela Guerra de Tróia, não estava no contexto histório da Grécia nem de Tróia. É isso.

    Mas ainda parabenizo você pela escolha e por este blog.

    Um abraço,
    Viviane
    (saindo do anonimato involuntário) rs

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  4. Você tem toda razão, Viviane,ao se referir ao mundo grego pós-olimpiano. Mas houve uma Grécia anterior (ou um mundo anterior) à geração de Zeus que pode ser estudada na Teogonia de Hesíodo por exemplo. Quando digo que a guerra de Tróia precipitou o fim do matriarcado quero me referir aos últimos elementos que ainda sobreviviam, notadamente na velha Ásia. Helena era uma mulher de personalidade. Não consigo imaginar Menelau como grande rei de Esparta. Ele era um estrangeiro por lá. Observe também que a sociedade cretense era eminentemente matriarcal e que os aqueus, que a dominaram, eram exatamente aqueles que traziam o advento de Zeus, dos olimpianos e do Apolo que vai usurpar o antigo culto de Geia em Delfos. Não é por outra causa que se dava a Delfos o epíteto de umbigo do mundo. Não há muita informação sobre o matriarcado do período neolítico pois é um tempo anterior à escrita e aos acontecimentos mais dramáticos ligados às guerras patriarcais ou associadas ao patrimônio.
    Mas essa questão é complexa demais para caixas de comentários.
    Novamente obrigado pela participação.

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  5. O assunto é maravilhoso e vai longe. rs

    Antes de Zeus, reinava o seu pai, Chronos... É o que diz a Teogonia. Mas é verdade que as mulheres (divindades femininas) não eram apáticas. Rhéia, mãe de Zeus e esposa de Chronos foi sábia ao esconder o seu filho que seria engolido (literalmente) pelo pai, pois este soube que um filho o destronaria. Zeus, protegido pela sábia mãe, conseguiu superar o pai, como dizia o oráculo.

    Verdadeiramente o matriarcado estava em outras culturas. Não no contexto hesiódico nem no homérico.

    Vale a pena conhecer os textos originais, em grego, pois algumas traduções podem levar ao engano. Há muitas discrepâncias. Um bom tradutor é Carlos Alberto Nunes.

    Abraços carinhosos,
    Viviane

    [Desculpa se pareço chata, mas é que eu estudo grego, adoro Homero e Hesíodo e amo as tragédias. Só quero participar com uma contribuição aqui neste blog, que encontrei quando fui pesquisar "As Troianas" no google.]

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  6. Viviane, é super legal sua participação. Eu, quando criei o blog, entre outras coisas, ficava na expectativa de aparecerem pessoas interessadas no grego clássico. Depois fui deixando para lá porque é um assunto que, hoje em dia, motiva pouca gente.
    A questão do matriarcado na cultura grega anterior aos aqueus é muito instigante e eu gostaria de ter mais tempo e condição de pesquisá-la. Creta é um bom início. As personagens femininas da época heróica também. Falar em matriarcado em um povo reconhecidamente misógino é realmente um desafio, não?
    O grego tenho estudado pouco. Quando muito, traduzo os provérbio de Miguel Apostolius porque são pequenos e me permitem manter o contato com a língua de Safo e Homero.
    Seria ótimo ter alguém com quem compartilhar esse conhecimento e, também, para tirar dúvidas. De forma que deixo aqui o meu e.mail para que a gente possa trocar mais figurinhas sobre a questão do matriarcado ou sobre os textos e acontecimentos do mundo antigo que são de fato maravilhosos.
    Um abraço!
    jozahfa@gmail.com

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  7. Que ótimo! Vamos nos comunicar. Gostei.

    Um abração,
    Viviane

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  8. Vão deixar os leitores de comentários alheios órfãos? Coloquem alguma coisa das discussões aqui também!

    Abraços,

    Dimitri

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Provérbios gregos