sábado, 20 de junho de 2009

O manto púrpura de Eros

Desde já aviso que a postagem só vai interessar aos helenistas ou assemelhados.

] ἔλθοντ' ἐξ ὀρανω πορφυρίαν περθέμενον χλάμυν [

Um fragmento de Safo que traz toda a complexidade da poetisa. A palavra περθέμενον, seria, a princípio, o particípio presente do verbo πέρθω ou περθώ no acusativo masculino singular e que se traduz por destruir e é aplicado, particularmente, em cidades. Destruir ou saquear uma cidade. É uma variante de πορθέω, que se pode traduzir, também, por tomar uma cidade após um cerco. A forma usual do verbo deveria ser περθόμενον, mas o eólico, o dialeto em que a poeta escrevia, frequentemente trocava as vogais, o que explicaria a presença do ε no lugar do o. No entanto, περθέμενον é traduzida pelos helenistas como envolta, envolvida. A tradução da frase toda é esta:

vindo do céu envolto em manto púrpura

O que nos leva ao verbo περιτίθημι, por ao redor, no caso, envolver. Sendo, de fato, uma flexão desse verbo ( e não de περθώ ), περθέμενον, ainda o mesmo particípio, portanto com valor e comportamento de um nome, já traz uma contração maior dos elementos da palavra, no caso, do infinitivo do verbo, onde podemos perceber a supressão do ι final do prefixo περι (que significa, no geral, ao redor, como no português perímetro) e o τι inicial de τίθημι, palavra fundamental e que se traduz por colocar. Verificamos, também, a troca da vogal longa η pela breve ε. Tudo isso é bastante comum no eólico, que se falava em toda a região mais ao norte da Hélade e que os poetas lésbicos ajudaram a fixar.

A complexidade sáfica, a que me referi anteriormente, vem do eterno jogo de palavras. Ora, περθώ também é utilizada, na poesia, como destruir ou matar de amor. Quem mata de amor é Eros, como no Hipólito de Eurípedes:

"Debalde a Grécia, ao pé de Alfeu, ou na ara do loiro Apolo Pítio, vítimas acumula; se não honrarmos a Amor, dos homens senhor altivo, filho da deusa do mar nascida, que tem a chave dos doces tálamos, mas que devasta com triste ruína os que acomete."
ἄλλως ἄλλως παρά τ' Ἀλφεῶι
Φοίβου τ' ἐπὶ Πυθίοις τεράμνοις
βούταν φόνον Ἑλλὰς ἀέξει,
Ἔρωτα δέ, τὸν τύραννον ἀνδρῶν,
τὸν τᾶς Ἀφροδίτας
φιλτάτων θαλάμων κληιδοῦχον, οὐ σεβίζομεν,
πέρθοντα καὶ διὰ πάσας ἱέντα συμφορᾶς
θνατοὺς ὅταν ἔλθηι.
É Eros também que desce do céu envolto em um manto púrpura. A púrpura, corante extraído de moluscos do mesmo nome, era caríssimo e, no império romano, sinônimo das vestes dos césares.

'Destruindo o manto púrpura' não é uma opção possível, mas que Safo faz aí um jogo de palavras não duvidaria.

E há, ainda, o outro jogo, fonético, lindo: πορφυρίαν περθέμενον χλάμυν
porfurían perthémenon chlámun.

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