sábado, 17 de maio de 2008
Inês de Castro
Venho, já há algum tempo, procurando direcionar minhas aulas de arte na escola para, basicamente, duas vertentes: o lúdico, através da brincadeiras e dos jogos e a história da arte, com ênfase naquilo que se pode ver de arte na formação da cultura brasileira. Então passeio pelas origens da cultura (pré-história), pela civilização ocidental (mesopotâmia), pela religião e filosofia (Egito e Grécia) para poder criar uma base para estudar a civilização brasileira por meio da história e da arte. Há leis recentes, do governo Lula, que obrigam o ensino de cultura africana e ameríndia nas escolas. Como já venho direcionando meu trabalho para a cultura brasileira há anos, não tenho tanta dificuldade com a lei, como muitos de meus colegas professores. Há também uma falta de material didático que ainda não teve tempo de ser produzido para atender a demanda criada pela lei. Acho importante a lei. Começaram a aparecer materiais interessantes sobre a história da África que não havia antes nas escolas. Por exemplo, um livro de história da África recheado de ilustrações que tentam exemplificar os diversos tempos e espaços africanos. Ilustrações que apelam em sua grande parte à arte é claro. Mapas antigos, indumentárias, objetos diversos de madeira, barro e metal, arquitetura, etc. A grande arte metalúrgica africana, uma beleza! Tudo isto está começando a aparecer graças à lei 10.639.
No entanto, penso que há um descuido nesta história. Compreendo e não discordo da visão que se tem de que, das matrizes que compõem nossa cultura brasileira, a indígena e, principalmente, a africana foram sempre pouco ou quase nada consideradas nos currículos escolares. Mas se pode dizer que a portuguêsa o foi mais? Qual a imagem que temos ou que criamos de Portugal? Basicamente de burros. E, na escola, de escravocratas assassinos. Pouco se fala das qualidades lusitanas. Fala-se do descobrimento do Brasil, mas se cala em dizer que era Portugal a grande potência planetária da época. Acredita-se que termos sido colonizados por portugueses foi uma infelicidade, pensando alguns inclusive que seria melhor tivéssemos o sido por inglêses, franceses ou holandeses. Pura ilusão, mesmo porque seria difícil imaginar como seria um destino destes.
Me dispus a valorizar o lusitanismo na escola de EJA onde trabalho. E decidi começar com um empreendimento que considerei audacioso e, confesso, praticamente fadado ao insucesso: Estudar um trecho dos Lusíadas. Escolhi uma parte que conheço bem e que me sinto seguro para discutir e responder aos questionamentos dos alunos: O episódio de Inês de Castro, mais precisamente as estrofes de 118 à 135 do Canto III. E estou trabalhando com o texto com as duas salas de avançado (que correspondem à antiga 8ª série) e com as três de intermediário (6ª e 7ª séries). É claro que não falo nada de análise sintática. Limito-me a decifrar, junto com eles, o texto, colocando as orações em uma ordem mais fácil, adequada e possível de entendimento para estes meus alunos. Então vou, a cada verso, fazendo perguntas como: onde está o verbo, quem fez? fez o que? a quem? e coisas assim. Vocês não imaginam como tem sido surpreendente o interesse e capacidade deles de entender e apreciar o poema. Tanto a história quanto a complicada síntaxe camoniana. É que estou lendo (ditando) as estrofes aos poucos. Expliquei-lhes que seria como uma novela. Em alguns casos uma estrofe por dia, em outros duas ou até três, conforme o caso. Juntamente com o poema vou, aos poucos, contextualizando a história, situando o tempo e o espaço para eles; relacionando com outros conhecimentos que têm, como a idade média, o cristianismo, os reinados, ou mesmo e principalmente com o fato de ser uma história de amor, coisa que a todos interessa e que todos, de uma forma ou de outra, compreendem. É muito legal vê-los quebrar a cabeça para descobrir no terceiro verso da estrofe 119:
"Deste causa à molesta morte sua"
1- onde está o verbo?
2-Quem deu?
3-Deu o quê?
4-Quem é sua?
E aos poucos decifram-no. E se sentem felizes com isso. E mesmo quando não o conseguem e tenho que esclarecer-lhos, ainda assim percebem o tamanho da empreitada - principalmente para eles - e não se sentem frustrados consigo mesmos por não consegui-lo.
Estamos ainda no começo e não sei se a coisa vai ter prosseguimento, se vão se entediar, se vão ficar difíceis demais as próximas estrofes - que contêm muitas citações - ou se dará tempo de terminá-las até a segunda semana de julho. Espero que sim, que possamos terminar o trabalho proposto. Tenho um material de apoio, o documentário "O povo brasileiro", baseado no livro de Darci Ribeiro, que tem um episódio só sobre Portuga, e que conta com sua participação, já bem doente - percebe-se sua dificuldade de respirar e emitir as palavras, pois só estava com um dos pulmões a esta altura - mas ainda falando com entusiasmo sobre o Brasil, sua maior paixão. Sobre o documentário falarei em outro post. Estou pensando, inclusive, em disponibilizá-lo aqui, em partes, por meio de arquivos compactados em servidores como o rapidshare ou semelhante. Vamos ver.
Enfim, em meio a tantas dificuldades e situações agudas, de vez em quando, consegue-se avançar com a escola. São importantes estas pequenas vitórias, pois ainda que em minoria, conseguem equilibrar a balança com as derrotas, que são em número bem maior. Mas ainda assim, fica me sempre a pergunta: Esta escola tem futuro?
À que dou a seguinte resposta: Do jeito que é e que está, não.
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