terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O ano 1789 da revolução tunisiana














O tema da Revolução francesa muito me apaixona. Os mais chegados sabem de minha crença na metempsicose das almas e da encarnação na França revolucionária do século XVIII.

Estando de férias tanto da escola quanto das aulas de francês, para não enferrujar, me atrevo em algumas traduções. 

Esta que segue foi tirado da página do "Le Monde" de hoje. A matéria versa sobre a revolução na Tunísia e faz uma aproximação com a grande revolução de 1789.

Achei interessante, pois me emocionou bastante o feito desse povo, que outrora produziu um Aníbal e o extraordinário império cartaginês.

O link para o Le Monde é aqui.



Jean Tulard é historiador, especialista na Revolução Francesa e em revoluções em geral. Segundo ele, o futuro da sublevação tunisiana dependerá do papel desempenhado pelo exército.

Em um de mês de sublevação, o povo tunisiano obteve a queda do regime de Zine El-Abidine Ben Ali. Trata-se de uma revolução?

Uma revolta é um ato espontâneo, que nasce de uma indignação, de uma situação intolerável, de um acesso de desespero. Ela é geralmente anárquica, sem chefes, sem palavras de ordem, e limitada a um determinado local. São características que correspondem perfeitamente ao caso tunisiano, ao menos em seu começo.

A revolução defende uma mudança radical dos homens, das instituições, da maneira de pensar. Tomando como exemplo a Revolução Francesa, a sublevação era previsível e seus objetivos conhecidos: igualdade, através da abolição dos privilégios, supressão dos direitos feudais que pesavam sobre os camponeses, fim da monarquia absoluta. O modelo tunisiano não corresponde a esse esquema, desde que ele começou sem líder e sem base ideológica.

Mas segue uma trajetória paralela àquela da Revolução francesa que traz muitas comparações aos dois acontecimentos. A Revolução passou também por uma fase de motins antes de penetrar os espíritos de uma parte importante da população, como o 14 de julho de 1789 ou o 10 de agosto de 1792. Motins motivados pela fome e pelo desemprego, como na Tunísia.

Uma revolta pode, pois, engendrar uma revolução. Para isso, é preciso que as exasperações iniciais encontrem um eco nas aspirações mais profundas concernentes ao conjunto do país, e não mais em um território limitado apenas. Isso foi o que aconteceu no verão de 1789, quando os camponeses franceses, sem compreender bem o que se passava em Paris, se armaram e tomaram de assalto os castelos dos nobres. Foi isso também que aconteceu na Tunísia, onde a revolta começou em Sidi Bouzid, longe da capital, antes de migrar por todo o país.

É, por certo, esta distinção entre revolta e revolução que explica as procrastinações dos dirigentes franceses. Até meados de janeiro, se pensava ainda tratar-se de simples motins de fome, de uma revolta momentânea. No entanto, é fácil de se por fim a uma revolta: seja reprimindo-a ou respondendo favoravelmente às suas reivindicações. Parar uma revolução, é bem uma outra coisa...

Se seguindo esse paralelo entre a derrubado do regime de Ben Ali e a Revolução francesa, esta última pode sem dúvida nos trazer ensinamentos do que pode ser o futuro da Tunísia...

Seguindo a comparação, a Tunísia está, sem dúvida, a viver o seu próprio 1789 – que corresponde, para a França, ao momento de uma Assembleia nacional constituinte ainda dominada pela nobreza. A hora é, tanto em 1789 como hoje na Tunísia, do entusiasmo, da espera por reformas mais prodigiosas.

Mas os revolucionários franceses rapidamente se desencantaram: desde o começo, a Revolução teve que fazer face a uma situação econômica desastrosa e a afrontar a reação de outros países, tal como os vizinhos tunisianos vão talvez tentar sufocar um movimento que também os ameaça. Sem esquecer as lutas de clãs, que fazem com que a revolução redunde em sobressaltos por vezes sangrentos: Montanheses contra girondinos outrora, islamistas contra progressistas hoje.

Na França, esses sobressaltos não tiveram fim até o golpe de estado napoleônico do 18 de Brumário e a instauração de um regime ditatorial. Mas longe de mim de prever um tal devir à Tunísia, eu sou historiador, não um cientista político, e seria abusivo querer decalcar situações tão diferentes.

A única constante na história das revoluções é o papel primordial desempenhado pelo exército. Após o episódio de Cromwell, na Inglaterra, é o general Monk quem restabelece Charles II. E eu já falei da Revolução francesa, que se acaba realmente com o golpe de Bonaparte. É preciso acompanhar atentamente o que vai fazer o exército tunisiano.

Você disse que a sublevação tunisiana se espalhou sem base ideológica nem líder. Como, nesse contexto, explicar seu sucesso?

Eu já vi casos assim na história. A revolução inglesa do século XVII, ou a queda das democracias populares da Europa do leste, a partir de 1989, se construíram sobre as exasperações mais que sobre programas claros e definidos.

Nesses casos como no caso tunisiano, a revolta pode se transformar em revolução porque se tratava de regimes desacreditados, deslegitimados. Quando o regime é forte, a revolta não pode se transformar em revolução, ela é esmagada.

Este foi precisamente o erro de avaliação cometido por Ben Ali e pelos governos ocidentais: eles acreditaram em um regime mais sólido e ancorado que realmente era.

Os quadros do antigo regime parecem prontos a se manter no lugar. Uma revolução pode vingar sem excluir as elites do regime precedente?

Sim, isto não é nada de excepcional. A Revolução francesa, a bem de ter inventado o terror, teve também os seus “coringas”, suas pessoas versáteis. Sob a Revolução e nos anos que se lhe seguiram, certos funcionários prestaram até quinze juramentos. O exemplo do tenente-general Henry é um símbolo disso: chefe da polícia sob o antigo regime, estava ainda no lugar ao momento da Restauração. Durante a libertação, em 1944, a maior parte dos funcionários ficaram em seus lugares.

Você não pode trocar rapidamente homens que têm competências técnicas precisas. É particularmente válido para os técnicos.

E sobre os líderes mais graduados? Uma revolução pode se contentar em ver partir o antigo dirigente ao exílio, como é o caso de Ben Ali ?

É verdade que o julgamento seguido da morte do dirigente detido são os símbolos mais fortes das revoluções. Charle I é decapitado, Luís XVI guilhotinado, Nicolau II fuzilado, Ceaucescu metralhado...

A França, de resto, sem dúvida recusou acolher Ben Ali para não se ver depois em uma situação de extradição embaraçosa. Dito isso, os meios políticos evoluíram, as mudanças de regime são hoje menos sangrentas que no passado.

O novo governo anunciou eleições daqui a seis meses. Já se viu uma revolução desembocar em uma transição democrática pacífica sem passar por períodos de atribulações e violência?

A Revolução dos cravos, em Portugal, é talvez o único exemplo de uma passagem suave de poder. De modo geral, as tribulações e violências são a regra, sem falar dos acertos de contas.

Mas eu não estou tão inquieto com a Tunísia. O povo tunisiano não me parece muito focado em tumultos sangrentos e na violência. Eu seria mais pessimista se a mesma situação se apresentasse na Argélia.


2 comentários:

  1. Será q algum dia os mineiros voltarão a sonhar...
    com revoluções...
    ou vamos ficar ad eternum nesse reinado dos neves e da politicagem curralesca...
    vamos fazer camisas com estampas de tiradentes e distribuir aos nossos alunos...
    venham novos Tiradentes e novos clubes da esquina... Minas não morreu... será...
    Nana

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  2. Há muito mineiro que sonha com esse dia, Nana, mas não sei não. Estado muito conservador hoje. Haja vista o Aecinho, o Lacerda, a vitória do Serra em BH.
    Dizendo a verdade, tenho vontade de mudar para o nordeste.
    Um abraço!

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