Um texto de um pintor de quem gosto muito.
O DESEJO DA ESTÁTUA"Quero estar só a qualquer preço", disse a estátua de olhar eterno. Vento, vento que refresca minhas faces em fogo. E a terrível batalha começou. Cabeças quebradas caíram e crânios brilharam como se fossem de mármore.
Fugir, fugir para a praça e a cidade radiante. Atrás, demônios me chicoteiam com toda força. Minhas pernas sangram horrivelmente. Ah, a tristeza da estátua solitária ali! Beatitude.
E nenhum sol, nunca. Nunca o consolo amarelo da terra iluminada.
Ela deseja.
Silêncio.
Ela ama sua alma estranha. Ela conquistou.
E agora o sol parou, alto, no centro do céu. E em eterna felicidade a estátua mergulha a alma na contemplação de sua sombra.
Há uma sala cujas cortinas estão sempre fechadas. Num canto, um livro que ninguém nunca leu. E na parede um quadro que não se pode ver sem chorar.
Há arcadas na sala onde ele dorme. Quando a noite vem a multidão reúne-se ali com um zum-zum. Quando o calor é tórrido ao meio-dia, ela vai para lá, ofegante, buscando a fresca. Mas ele dorme, ele dorme, ele dorme.
Que aconteceu? A praia estava vazia e agora vejo alguém sentado ali, numa rocha. Um deus está sentado ali, e ele contempla o mar em silêncio. E isso é tudo.
A noite é profunda. Agito-me em minha cama escaldante. Morfeu me detesta. Ouço o som de uma carruagem distante aproximando-se. Os cascos de um cavalo, um galope; o barulho explode e desaparece na noite. À distância uma locomotiva apita. A noite é profunda.
A estátua do conquistador na praça, sua cabeça nua e calva. O sol por toda parte. Por toda parte as sombras consolam.
Amigo, com olhar de abutre e boca sorridente, um portão de jardim te faz sofrer. Leopardo enjaulado, andas pela tua jaula e agora, sobre teu pedestal, na pose de um rei conquistador, proclamas tua vitória.
Giorgio De Chirico
(in Teorias da arte moderna, Chipp, Scuola metafisica, Martins Fontes, São Paulo, 1993)
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