Dizem que o mal entra ou sai pela boca. Mas é pelos olhos, de fato, que os homens entram pelo cano. Ou não. Quiçá seja a ventura maior.
Estes meus olhos nunca perderán,
senhor, gran coyta, mentr' eu vivo fôr;
e direy-vos, fremosa mha senhor,
d'estes meus olhos a coyta que an:
choram e cegan, quand'alguen non veen,
e ora cegan por alguen que veen.
Guisado têen de nunca perder
meus olhos coyta e meu coraçon,
e estas coytas, senhor, mias son,
mays os meus olhos, por alguen veer,
choram e cegan, quand'alguen non veen,
e ora cegan por alguen que veen.
E nunca ja poderey aver ben,
poys que amor já non quer nem quer Deus;
mays os cativos d'estes olhos meus
morrerán sempre por veer alguen:
choram e cegan, quand'alguen non veen,
e ora cegan por alguen que veen.
Joan Garcia de Guilhade (séc. XIII, 1ª metade)
Trovadores galego-portuguêses - cantigas d'amor - in A Lírica Trovadoresca, Segismundo Spina, Grifo, 1972
Porque, segundo Vieira, chorar é próprio dos olhos e, sendo dos sentidos o único que tem dois ofícios, ver e chorar, o chorar é o lastimoso fim do ver; e o ver é o triste princípio do chorar.
Mas chora-se também pelo falar.
"E senão pergunto. Por que dizem os Evangelistas, com tão particular advertência, que chorou Pedro amargamente. Flevit amare? Se queriam encarecer as lágrimas de Pedro pela cópia, digam que se fizeram seus olhos duas fontes perenes de lágrimas: digam que chorou rios: digam que chorou mares: digam que chorou dilúvios. E se queriam encarecer esses dilúvios de lágrimas, não pela cópia, senão pela dor, digamos que chorou tristemente; digam que chorou sentidamente, digam que chorou lastimosamente, digam que chorou irremediavelmente, ou busque outros termos de maior tristeza, de maior lástima, de maior sentimento, de maior pena, de maior dor. Mas que deixado tudo isto só digam e ponderem, que chorou amargamente: Flevit amare? Sim, e com muita razão; porque o chorar pertence aos olhos, a amargura pertence à língua; e como os olhos de Pedro choravam por si, e mais pela língua, era bem que a amargura se passasse da língua aos olhos, e que não só chorasse Pedro, senão chorasse amargamente. Flevit amare. Como a culpa dos olhos em ver se ajuntou com a culpa da língua em negar; ajuntou-se também o castigo da língua, que é a amargura, com o castigo dos olhos, que são as lágrimas, para que as lágrimas pagassem o ver, e a amargura pagasse o negar, e os olhos chorando amargamente pagassem por tudo: Flevit amare.
Antônio Vieira, Sermão das lágrimas de São Pedro.
Roubei seu trecho do Vieira... Obrigado!
ResponderExcluirO sermão todo é muito bonito. Tem na rede, inclusive em versão arcaica escaneada.
ResponderExcluir...obrigada pela oartilha!
ResponderExcluirAbraço de peito aberto
BIA
quero q traduza pra mim
ResponderExcluirDeixe o teu email Michelle.
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